Artigos/Crônicas - Pensadores




COMO SEREMOS AMANHÃ?

Lya Luft - Escritora.


Estar aberto às novidades é estar vivo. Fechar-se a elas é morrer estando vivo. Um certo equilíbrio entre as duas atitudes ajuda a nem ser antiquado demais nem ser superavançadinho, correndo o perigo de confusões ou ridículo.

Sempre me fascinaram as mudanças - às vezes avanços, às vezes retorno à caverna. Hoje andam incrivelmente rápidas, atingindo nossos usos e costumes, ciência e tecnologia, com reflexos nas mais sofisticadas e nas menores coisas com que lidamos. Nossa visão de mundo se transforma, mas penso que não no mesmo ritmo; então de vez em quando nos pegamos dizendo, como nossas mães ou avós tanto tempo atrás: “Nossa! Como tudo mudou!”.

Nos usos e costumes a coisa é séria e nos afeta a todos: crianças muito precocemente sexualizadas pela moda, pela televisão, muitas vezes por mães alienadas, por teorias abstrusas e mal aplicadas. Se antes namorar era difícil, o primeiro batom rosa-claro aos 15 anos, e não havia pílula anticoncepcional, hoje talvez amar ande descomplicado demais. O singular é que, com tanta informação disponível na internet, e pseudoaulas de vida sexual em algumas escolas, tantas meninas ainda engravidem ou, como os meninos, peguem doenças venéreas. Casamentos (isto é, uniões ditas estáveis, morar junto) podem ser atropelados pela incapacidade de fortalecer laços, construir juntos com alguma paciência. Não sou de sermos infelizes juntos pelo resto da vida, mas de tentarmos um pouco mais. Talvez a gente esteja num junta-separa meio rápido, frequentemente deixando filhinhos, que nem pediram para nascer, nem certamente queriam se separar de nada nem de ninguém. São simplesmente levados de um lado para outro.

Na educação, cansei de falar. Cada dia uma nova notícia: não se reprova mais ninguém antes de tal série, os alunos entram na universidade sem saber escrever, coordenar pensamento, ler e entender. Não todos. Não sempre, mas cada vez com mais frequência.

Na saúde, acho que muito melhorou. Sou de uma infância sem antibióticos. A gente sobrevivia sob os cuidados devotados de mãe, pai, avó, médico de família, aquele que atendia do parto à cirurgia mais complexa para aqueles dias. Dieta, que hoje se tornou obsessão, era impensável, sobretudo para crianças, e eu, pré-adolescente gordinha, não podia nem falar em "regime" que minha mãe arrancava os cabelos e o médico sacudia a cabeça: "Nem pensar".

Em breve estaremos menos doentes: células-tronco e chips vão nos consertar de imediato, ou evitar os males. Teremos de descobrir o que fazer com tanto tempo de vida a mais que nos será concedido. Nada de aposentadoria precoce, chinelo e pijama (isso ainda se usa?). Mas aprender sempre. Interrogar o mundo, curtir a natureza, saborear a arte, viajar para Marte, e outras rimas exóticas. Passear, criar, divertir-se, viajar (talvez por teletransporte, feito o pó de pirlimpimpim da boneca Emília do nosso Monteiro Lobato, que querem castrar).

Quem sabe nos mataremos menos, se as drogas forem controladas e a miséria extinta. Não creio em igualdade, mas em dignidade para todos. Talvez haja menos guerras, porque de alguma forma seremos menos violentos.

Leremos unicamente livros eletrônicos ou algo ainda mais moderno. As vastas bibliotecas de papel serão museus, guardando o cheiro da minha infância, quando - se eu aborrecia minha mãe com mil perguntas - meu pai me sentava numa de suas poltronas de couro e botava no meu colo alguma enciclopédia com figuras de flores, frutas, bichos, protegidas por papel de seda amarelado. Inesquecível, e delicioso sobretudo quando chovia.

As crianças terão outras memórias, outras brincadeiras, outras alegrias; os adultos, novas sensações e possibilidades - mas as emoções humanas, estas eu penso que vão demorar a mudar. Todos vão continuar querendo mais ou menos o mesmo: afeto, presença, sentido para a vida, alegria. Desta, por mais modernos, avançados, biônicos, quânticos, incríveis, não podemos esquecer. Ou não valerá a pena nem um só ano a mais, saúde a mais, brinquedinhos a mais. Seremos uns robôs cinzentos e sem graça.

Fonte: Veja. Edição 2.206 – Ano 44 – n.º 9 – 02/03/2011